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Da necessidade de partir e outros anseios

Começa aos poucos, devagarinho, o anseio de partir. Olhando pela janela do quarto vejo ao longe o caminho que quero percorrer, como num sonho que se faz real no desenho das nuvens desse outono que foi chegando aos poucos, trazendo com ele essa necessidade incessante de me fazer à estrada, novamente. Faz pouco que voltei, alguns meses apenas, mas já esse formigueiro da partida me ataca, empurrando-me a seguir o caminho que uma e outra vez interrompo, por saudades de casa ou puro acaso, mas que é no fundo o meu destino. Os dias vão passando, os meses também, e com eles vou começando a fazer-me acção, numa roupa que compro a pensar no calor ou frio do caminho, num destino que estudo para saber se possível, num olhar saudoso para a mochila que me acompanha há anos no meu deambular pelo mundo. Em crescendo, a emoção da partida ganha forma concreta com o primeiro visto que vejo colado no passaporte, depois o outro, “agora é a sério!”, o sonho começa a fazer-se realidade de novo, abraçado numa pura emoção de alegria extrema e num aperto na barriga, no coração, afinal tanto tempo, depois as saudades, aqui ficam os que mais amo, lá adiante um mundo de emoções e descobertas, mas incerto, inconstante… Inebriados, os dias que antecedem a partida são pura confusão de sentimentos, envoltos na certeza de ter de partir mas toldados pela consciência do tanto que vou perder por não estar aqui, em casa. Mas não desisto, não sei como o fazer, a força que me empurra é imensa, avassaladora, interna, vem de dentro dos ossos, do fundo do coração, do mais profundo desejo, da essência do que sou. Desistir de partir seria desistir de mim, ficar seria o mais confortável dos destinos, mas voltar um dia será igualmente confortável, talvez mais até, talvez impossível, não sei, não sei como saber, não há como, apenas sei que esta força enorme que me nasce de dentro me empurra novamente em mais uma viagem que começa, daqui a uns dias, depois do Natal, no ano novo que chega, “Amanhã!”, é já amanhã, a mochila que se enche, as tantas coisas que não pude fazer, um último bacalhau para lembrar o sabor de casa no caminho, um último olhar de até já aos que cá ficam, tudo na correria de quem prepara uma viagem sem data de regresso marcada e envolto na saudade do que aqui fica à minha espera. Não poderei nunca descrever a ninguém o que se sente ao partir senão nestas parcas palavras com que inutilmente o tento fazer, menos ainda explicar, talvez nem a mim mesmo, esta força que me empurra, esta necessidade de constantemente me fazer partida, num anseio profundo de viajar mais, conhecer mais, chegar mais longe, ir aonde nunca fui pela estrada mais longa, mais bela, a mais difícil talvez, certamente dura, mas ainda assim necessária, ainda assim filha desse constante desejo de me fazer concreto à velocidade a que me vou dando ao mundo e dele apreendo o tanto que tem para me dar. É já amanhã a partida, é já hoje, cada dia, é hoje o dia de partir e de viver de novo esta minha utopia pessoal. Boa viagem Luís, boa viagem, até ao meu regresso, agora é hora de partir.

Loulé, Portugal, Janeiro de 2013