Há já mais de um mês
que voltei. Cheguei cansado, frustrado, não queria estar aqui, afinal Fiji era
ponto de partida, não porto de chegada, afinal tinhamos saido daqui na ilusão
de atravessar o Pacífico, primeiro até ao Hawaii, depois até ao lado de lá, até
ao continente Americano, que era afinal o nosso destino.
Mas não foi, Neptuno
não quis, Eolo não deixou, o vento apagou-se ao largo do paraíso perdido de
Tokelau, verde oásis num deserto de água que se fazia mais e mais quente, sem
vento, como um verdadeiro deserto que nos enchia os olhos de miragens perdidas e
nos esvaziava as velas, um dia, dois dias, dias infinitos a que se seguiu a
tempestade que nos empurrou definitivamente para longe da nossa rota e nos fez
voltar de vez para trás.
Foram longos os
dias, entre a tempestade cruel que se abatia lá fora, e a tormenta infindável
que me ribombava por dentro nas horas perdidas no mar sem fim. Foram longos os
dias, mesmo depois da bonança que pouco acalmou o desespero e a frustração de
ter de voltar para trás. Foram longas a horas, de olhar perdido no horizonte do
mar a pensar nos porquês do destino, como nos últimos suspiros de uma relação
moribunda que se tenta inutilmente salvar do fim, com horas de pensamentos e
ilusões que em nada mudarão o inevitável.
Foram longas as horas, de olhos
perdidos no horizonte, com a beleza do oceano eventualmente a vencer a
incerteza e a encher de novo os olhos de brilho, na certeza desse mar e desse
amor infinito que não quebra, nem ao vislumbrar a sua pior face, porque amor
verdadeiro, porque nem a pior das tempestades e a mais frustrante viagem me
farão um dia deixar de amar, sem saber porquê, o imenso e infinito oceano.
Cheguei cansado,
frustrado, não queria estar aqui, e o regresso foi duro. O passar dos dias e a
cada vez mais provável impossibilidade de seguir caminho, a iminente certeza de
ter de voar, as horas e os dias passados em duro trabalho de procura do
impossível, a frustração crescente de não saber o quê nem como fazer, tudo
pesou num cansaço imenso, infinito, sem fim.
A tentação de desistir nunca foi
tão grande, verdadeira, real, e o final de um sonho de quase três anos, onde perdi
tanto, onde arrisquei tanto, incluindo em momentos até a própria vida, esse
final que nunca quis pensar possível fez-se cada dia mais verdadeiro, pesadelo
que me veio assombrar os dias cinzentos que se abatiam lá fora e dentro de mim.
O fim esteve perto, mas felizmente não chegou.
Resisti, a custo,
um dia depois do outro. Um sorriso, uma ajuda sem preço, uma possibilidade que
se abriu, uma força que se foi buscar onde não havia, a certeza de querer fazer
valer todas as horas passadas longe de família e amigos, da sobrinha que não
conheço, dos que conheço e que estranho, a certeza de querer fazer valer todos
os momentos perdidos em nome de um sonho que não quis ver acabado. Resisti, a
custo, pensando em tudo o que arrisquei, no caminho que corri, no sonho que me
move, em tudo o que um dia me espera quando voltar inteiro, cheio de histórias e
de certezas.
Resisti, lutei, parei de lutar, deixei por fim à sorte, a Deus, a
todos os deuses que encontrei no caminho, resistindo até ao fim, ou deixando
talvez de resistir, deixando a vida fluir por dentro de mim, à minha volta,
relembrando-me da verdadeira essência da viagem e da vida que levo, que flui
por mim como eu pela estrada e pelos mares deste mundo.
Resisti, cheguei
cansado mas resisti, o sonho vive, amanhã é novamente dia de partir, por mar, e
sempre sem pressa de chegar.
Suva, Fiji, 20 de Outubro de 2015
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