Passaram dois meses desde que parti de Vanuatu, trazido pelo vento e pela sorte de me cruzar com o capitão Jacob, que me abriu as portas do seu Mewa para me deixar continuar a sonhar com a volta ao mundo sem pressas nem aviões, viagem continuada nessa semana de travessia ao sabor das ondas, voando baixinho, tocando as ondas com os dedos enquanto milha a milha vencemos contra o vento a distância de mais uma etapa do caminho.
Cheguei cansado aqui, com o corpo doido depois de seis dias sem descanso no solavanco constante das ondas que não dão trégua. Cheguei cansado aqui, esgotado, vitima dos trópicos num dedo inflamado que me fez o caminho mais difícil e a chegada amarga. Cheguei cansado, com o brilho nos olhos de quem vence nova fronteira, mas que senti menos acolhedora pelo cansaço da doença que se fez infinita, num fim à vista que nunca mais chegou, que me fez cansado de estar aqui ainda que sem quase ter chegado.
Mas os dias passaram, o corpo reagiu, o descanso fez o seu papel, a vida foi aos poucos voltando a ter sabor, a ter-me a mim, a ser minha em cada dia que passa. O tempo passou nessa feia Lautoka, doce terra de açúcar que me amargou os dias de espera, mas onde abri de novo a porta do caminho que tenho a seguir. O tempo passou, e de novo feito ao mar rodeei meia ilha para num acaso descobrir na pequena Qoma a acolhedora simpatia do Pacífico e das tradições de Fiji. O tempo passou e trouxe-me à eternamente chuvosa Suva, capital por onde os dias passaram devagarinho na espera da hora de partir. O tempo passou, e na impaciência da espera fui até à verdejante Taveuni, onde toquei num mesmo dia o ontem e o amanhã, vítima da magia tonta que sentem os viajantes ao cruzar linhas, passado o meridiano que me deixou a 180 graus de distância de casa, e que me assegurou que estava mesmo na metade de trás do nosso redondo planeta.
Amanhã é dia de partir. É hora de abraçar de novo o meu destino, de viver essa inegável condição de ser Português e fazer-me ao mar, de novo ao sabor do vento como faziam esses Portugueses de antigamente enquanto espalhavam o nosso nome pelo mundo. Amanhã é dia de partir, de começar nova etapa dessa grande travessia que me separa do lado de lá do Pacífico, e que aos poucos me deixará mais perto do continente Americano, assim queira Neptuno. O mundo faz-se redondo, aos poucos, e ainda que sem dar por isso, e ainda que sem pressa, começa agora a ser o tempo de voltar.
A bordo do S.V. Mewa, Lami Town-Suva, Fiji, 31 de Agosto de 2015
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